segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O manual da melhor amiga

Tenho consciência de não ter sido a adolescente mais fácil de lidar do mundo. Alguns (certo, muitos) até ririam do fato de eu usar o verbo no passado, mas repito pela trilhonésima vez que há uma diferença monstruosa entre os 15 e os 20 anos. Os teens se foram. Twenty. Vinte. Redondo, duas décadas. Pode ser pouco, mas alguma coisa eu já sei. E porque gosto de ser redundante, uma destas coisas é que não fui uma adolescente fácil.

Desde nova eu queria ser ouvida e compreendida. Hoje percebo a injustiça de exigir compreensão quando nem você mesma sabe do que está falando, mas pedir justiça aos meus idos 15 anos também não tem nada de justo. De todo modo, eu precisava falar, e não era pouca coisa. Era um pouquinho mais sensível, filosófica e chatinha que a maior parte da minha família, que passava por coisas demais para poder gastar tempo com o pensar só pelo pensar. Eu era da primeira geração dos que podiam apenas estudar e ser crianças, então tive o privilégio das reflexões infinitas. Desejava compartilhá-las e até tentava, mas a falta de entendimento por parte da galera de casa me machucava muito. Aí transferi para a do colégio.

Não me lembro de um ano escola, do 1º período até o 3º ano, em que eu não tenha tido uma melhor amiga. Desde a Thaís, menina gordinha que brincava comigo no recreio, passando pela Rayanne, que fazia festas de aniversário para suas bonecas, e chegando à Patrícia, com quem eu discutia Harry Potter. Eu tinha outras amigas, mas a necessidade de classificar uma como "melhor" era forte. A melhor tinha que me ouvir sempre. Aguentar meus julgamentos. Me pedir ajuda quando precisasse e saber que eu também estava ali. Dividir comigo suas confissões de paixões platônicas e tratar as minhas com o maior respeito. E já disse que tinha de me ouvir sempre? Então.

Acontece que eu sempre mudava de melhor amiga, porque qualquer coisinha que eu achasse meio contra a moral desclassificava a criatura para o posto. Um exemplo? Ficar com um garoto idiota. Ou melhor, que eu considerasse idiota. Mais um: ficar andando com uma turminha que eu considerasse sem futuro.Tanta, mas tanta coisa era fator de exclusão (serei justa: também havia alguns de reinclusão) que nem eu sabia quais eram todos. Como em inglês soa menos pior, podem me chamar de a little bitch.

Aí a escola acabou. Não havia mais uma fila de gente querendo ser minha melhor amiga. Entretanto, tinha gente querendo me conhecer e gostar de mim. Devo ter me assustado no início, mas depois veio um sentimento inesperado. Algo como liberdade. Existe desaperto? Invento agora: um desaperto no peito. Eu não precisava mais classificar ninguém num sistema estúpido que se transformava mais que o David Bowie. Podia contar com algumas pessoas mais ou menos, dependendo do momento. Felizmente há aquelas com as quais posso contar em mais momentos do que outras, mas se hoje sentir uma vontade de esfaqueá-la por um motivo qualquer, não é isto que vai me afastar e deixar de classificá-la como alguém importante na minha vida. Não amo ninguém todo dia. Parece que expandiu. Tem lugar para muita gente. Cada uma do seu jeito e sua necessidade, mas todas presentes.

A linda e maravilhosa moral da história é que só hoje percebi ter finalmente parado com aquele movimento louco de busca dos melhores amigos. Não sei nem o que é "melhor", já que estou revendo vários conceitos. Hoje posso pelo menos dizer que aquela coisa de ter que ser menininha-virgem-boazinha já não faz parte da lista, um grande avanço. Acho que já conheci muita gente incrível fora dessas características. E para todas aquelas que sofreram nas mãos da super julgadora little bitch, só posso pedir desculpas, apesar de não me sentir muito no direito de falar por ela. Mas, perdão, de todo jeito. Vocês foram grandes, incríveis e fabulosas melhores amigas.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Primeiras reflexões sobre saúde mental

Hoje cedo fui ao ambulatório para acompanhar as consultas dos pacientes com os psiquiatras. Acompanhei apenas uma paciente, que teve uma consulta bem longa e a experiência me fez pensar bastante sobre o conceito de saúde mental e o modo como as pessoas o encaram. Foram pensamentos simples, mas a gente tem que começar de algum lugar.

Vejam só, não sei falar bem destas coisas como tão competentemente o fazem alguns dos meus colegas de faculdade. Não sei dados, teóricos mais influentes, nada. Só o que percebo e sinto. E no momento, o que vejo está totalmente enviesado pela minha vivência enquanto estudante de Psicologia. No curso aprendemos a prestar uma atenção maior ao sofrimento humano e suas consequências. Estou começando a trabalhar num grupo que estuda o TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático), um transtorno de ansiedade que, resumidamente, teria três características principais: hiperestimulação autonômica, evitação e as famosas revivescências. Para dar um exemplo, imaginem que fulano A e fulano B foram assaltados. Assalto é algo que mexe com qualquer um, costuma deixar as pessoas mais prevenidas. Imaginem que os dois passaram por isto e ficaram abalados, mas o B teve uma reação diferente. Não consegue, de modo algum, passar pelo lugar do assalto e chegar perto de pessoas que se assemelhem ao assaltante. Está mais irritável, hipervigilante, se sobressaltando por qualquer coisa. Agora, o sintoma que considero mais instigante: o B fica revivendo o assalto como se estivesse ocorrendo. Não é simplesmente pensar quando se quiser. B está no meio da rua e sei lá, a buzina de um carro parecida com a que estava tocando na hora do assalto ativa toda uma rede que o coloca naquela situação outra vez.* A vida dele fica totalmente afetada por isto, não conseguindo mais desempenhar as atividades de antes. Pergunto: como vocês acham que uma pessoa desta consegue cozinhar, trabalhar, sair de casa? 

Muitas vezes não consegue, ou o faz com muito esforço. Mas não dá para ser como antes, tenho a impressão de que sua vida fica como que paralisada naquele acontecimento. Aí que entra todo o problema social. A doença mental não é vista seriamente. Sabem o famoso "ah, frescura!"? É bem por aí. O que mais ouço são as estagiárias relatando sobre como tiram sarro dos pacientes e diminuem sua condição. Este mundo é todo voltado para o visual, os cegos que o digam. E se você não pode estender seu braço para mostrar uma ferida ou apresentar o resultado de uma ressonância que seja, é como se o seu estado não fosse validado. Mesmo com a dor, o desespero e o sentimento de incapacidade. Se a coisa já é ruim no senso comum, tentem visualizar como é quando um profissional da saúde demonstra os mesmos preconceitos. Ouvi algumas histórias sobre como médicos do INSS não estendem as licenças dos nossos pacientes porque, bem, eles não tem nada. Se aquelas pessoas tremendo da cabeça aos pés e tendo lembranças intrusivas a todo momento não tem nada, sinto medo do que seria ter alguma coisa. A história se repete: são liberados para voltar ao trabalho e não aguentam um mês que seja, ou aguentam com muita coragem. Admiro muito os pacientes por isto. É demais para um ser humano.

Um dos comentários que mais me incomoda quando alguém diz que está passando por uma situação assim é "Ah, não fica pensando nisso!". A evitação que citei no exemplo é comportamental, mas os pacientes também evitam pensamentos. Segundo as pesquisas, quanto mais tenta-se suprimir os pensamentos, com mais força eles ficam. Ou seja, além de o sujeito aconselhar a pessoa a fazer algo que ela não consegue como se fosse a coisa mais simples do mundo, a estratégia ainda piora o estado dela. E muitas vezes nem é por maldade, mas desinformação proporcionada por um meio social que pouco se importa com a promoção de saúde mental.

Só que agora que tenho informação, não posso mais ficar com ela só para mim. Querendo ou não, vejo como meu dever ético compartilhar estas informações que considero tão importantes com o máximo de pessoas que puder. Se quem estiver lendo este texto acreditar em algo do que expliquei, mesmo que tenha sido de modo tão simplório, peço para que preste mais atenção ao seu semelhante e não diminua qualquer transtorno mental que ele tenha (acredite você ou não em transtornos mentais). Falei mais do TEPT porque é aquilo com que estou tendo maior contato agora, mas isto se estende até aquele "maluquinho" com quem as crianças  ficam implicando na rua de casa. Ter respeito já ajuda.

*Se algum psicólogo ou psiquiatra um dia ler isto e algo estiver errado, perdoem a pobre mocinha confusa do 7º período.

domingo, 1 de janeiro de 2012

1/1/12

Passei uma virada de ano estranha. Pela primeira vez, minha família respeitou meus desejos e pude cumprir meus planos: ver uma comédia romântica, jogar The Sims 2, dormir. A estranheza está em realmente ter feito tudo o que queria e pela primeira vez sentir que essa coisa de novo ano não é tão incrível assim. Ou melhor, o novo ano é incrível, mas a noite, a contagem, a espera...nada disso me pareceu tão emocionante. Era só barulho.

O filme, uma droga. Sintonia de Amor, 1993. Pensei que não pudesse errar com Tom Hanks e Meg Ryan, mas o novo ano já chegou me ensinando que nem isso é certo (alguma coisa é?). Não conseguia dormir e ao invés de me forçar a fazê-lo, como todos os dias, me mandei enrolar até não aguentar mais e ter como única saída um desmaio monumental na cama. Nesta envelheci no TS2, bati papo em inglês (e notei que sou uma droga nisto), baixei um programa doido, dancei Beatles às 6 da manhã (Don't Ever Change!), contei pra mim em segredo o meu maior desejo para 2012, recebi um tweet da minha entrevistadora indiana favorita. Aí veio o sono.

Mais tarde, o mesmo de sempre: dor no corpo inteiro. Fiquei irritada com a constância da situação e decidi me utilizar da única arma que tinha: relaxamento muscular progressivo. Toda torta, insegura, sabendo que a respiração diafragmática não era daquele jeito, aí...meldels, está funcionando! Dei até uns pulinhos depois. É engraçado a primeira descoberta do ano ser algo que eu já sabia. Vou passar a prestar mais atenção nos conhecimentos que já tenho, talvez as soluções para vários problemas recentes estejam lá.

Sem filmes desde que troquei de HD, ia ver alguma coisa indiana para tirar o desânimo com cinema trazido pelo filme do Tom Hanks. Só que fiquei olhando...parecia que Meia-Noite em Paris estava me chamando. Nem sei por que baixei esse filme, mas finalmente ele estava me interessando. Arrisquei. Minha mãe chegou aos 17 minutos e viu comigo. Muito, muito amor. Amei a história, o roteiro, ri demais do Adrien Brody dizendo "Eu vejo um rinoceronte". Falo mais dele num daqueles posts sobre filmes e reflexões, gostei muito do último.

Aí mandei altas mensagens cheias de amor no Facebook, mas não vou contar muito sobre isto. Tenho vergonha de publicar nos murais das pessoas, então vou lá nas mensagens e escrevo um monte. É tão bom compartilhar coisas boas, gente.

E é isto. Sem moral da história, sem feliz para sempre. Na verdade, até que tem um final feliz: finalmente estou gostando/amando Woody Allen, meu corpo está o mais relaxado possível e estou pronta para voltar ao estágio. Já estou no clima de 2012.