Tenho consciência de não ter sido a adolescente mais fácil de lidar do mundo. Alguns (certo, muitos) até ririam do fato de eu usar o verbo no passado, mas repito pela trilhonésima vez que há uma diferença monstruosa entre os 15 e os 20 anos. Os teens se foram. Twenty. Vinte. Redondo, duas décadas. Pode ser pouco, mas alguma coisa eu já sei. E porque gosto de ser redundante, uma destas coisas é que não fui uma adolescente fácil.
Desde nova eu queria ser ouvida e compreendida. Hoje percebo a injustiça de exigir compreensão quando nem você mesma sabe do que está falando, mas pedir justiça aos meus idos 15 anos também não tem nada de justo. De todo modo, eu precisava falar, e não era pouca coisa. Era um pouquinho mais sensível, filosófica e chatinha que a maior parte da minha família, que passava por coisas demais para poder gastar tempo com o pensar só pelo pensar. Eu era da primeira geração dos que podiam apenas estudar e ser crianças, então tive o privilégio das reflexões infinitas. Desejava compartilhá-las e até tentava, mas a falta de entendimento por parte da galera de casa me machucava muito. Aí transferi para a do colégio.
Não me lembro de um ano escola, do 1º período até o 3º ano, em que eu não tenha tido uma melhor amiga. Desde a Thaís, menina gordinha que brincava comigo no recreio, passando pela Rayanne, que fazia festas de aniversário para suas bonecas, e chegando à Patrícia, com quem eu discutia Harry Potter. Eu tinha outras amigas, mas a necessidade de classificar uma como "melhor" era forte. A melhor tinha que me ouvir sempre. Aguentar meus julgamentos. Me pedir ajuda quando precisasse e saber que eu também estava ali. Dividir comigo suas confissões de paixões platônicas e tratar as minhas com o maior respeito. E já disse que tinha de me ouvir sempre? Então.
Acontece que eu sempre mudava de melhor amiga, porque qualquer coisinha que eu achasse meio contra a moral desclassificava a criatura para o posto. Um exemplo? Ficar com um garoto idiota. Ou melhor, que eu considerasse idiota. Mais um: ficar andando com uma turminha que eu considerasse sem futuro.Tanta, mas tanta coisa era fator de exclusão (serei justa: também havia alguns de reinclusão) que nem eu sabia quais eram todos. Como em inglês soa menos pior, podem me chamar de a little bitch.
Aí a escola acabou. Não havia mais uma fila de gente querendo ser minha melhor amiga. Entretanto, tinha gente querendo me conhecer e gostar de mim. Devo ter me assustado no início, mas depois veio um sentimento inesperado. Algo como liberdade. Existe desaperto? Invento agora: um desaperto no peito. Eu não precisava mais classificar ninguém num sistema estúpido que se transformava mais que o David Bowie. Podia contar com algumas pessoas mais ou menos, dependendo do momento. Felizmente há aquelas com as quais posso contar em mais momentos do que outras, mas se hoje sentir uma vontade de esfaqueá-la por um motivo qualquer, não é isto que vai me afastar e deixar de classificá-la como alguém importante na minha vida. Não amo ninguém todo dia. Parece que expandiu. Tem lugar para muita gente. Cada uma do seu jeito e sua necessidade, mas todas presentes.
A linda e maravilhosa moral da história é que só hoje percebi ter finalmente parado com aquele movimento louco de busca dos melhores amigos. Não sei nem o que é "melhor", já que estou revendo vários conceitos. Hoje posso pelo menos dizer que aquela coisa de ter que ser menininha-virgem-boazinha já não faz parte da lista, um grande avanço. Acho que já conheci muita gente incrível fora dessas características. E para todas aquelas que sofreram nas mãos da super julgadora little bitch, só posso pedir desculpas, apesar de não me sentir muito no direito de falar por ela. Mas, perdão, de todo jeito. Vocês foram grandes, incríveis e fabulosas melhores amigas.