Hoje cedo fui ao ambulatório para acompanhar as consultas dos pacientes com os psiquiatras. Acompanhei apenas uma paciente, que teve uma consulta bem longa e a experiência me fez pensar bastante sobre o conceito de saúde mental e o modo como as pessoas o encaram. Foram pensamentos simples, mas a gente tem que começar de algum lugar.
Vejam só, não sei falar bem destas coisas como tão competentemente o fazem alguns dos meus colegas de faculdade. Não sei dados, teóricos mais influentes, nada. Só o que percebo e sinto. E no momento, o que vejo está totalmente enviesado pela minha vivência enquanto estudante de Psicologia. No curso aprendemos a prestar uma atenção maior ao sofrimento humano e suas consequências. Estou começando a trabalhar num grupo que estuda o TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático), um transtorno de ansiedade que, resumidamente, teria três características principais: hiperestimulação autonômica, evitação e as famosas revivescências. Para dar um exemplo, imaginem que fulano A e fulano B foram assaltados. Assalto é algo que mexe com qualquer um, costuma deixar as pessoas mais prevenidas. Imaginem que os dois passaram por isto e ficaram abalados, mas o B teve uma reação diferente. Não consegue, de modo algum, passar pelo lugar do assalto e chegar perto de pessoas que se assemelhem ao assaltante. Está mais irritável, hipervigilante, se sobressaltando por qualquer coisa. Agora, o sintoma que considero mais instigante: o B fica revivendo o assalto como se estivesse ocorrendo. Não é simplesmente pensar quando se quiser. B está no meio da rua e sei lá, a buzina de um carro parecida com a que estava tocando na hora do assalto ativa toda uma rede que o coloca naquela situação outra vez.* A vida dele fica totalmente afetada por isto, não conseguindo mais desempenhar as atividades de antes. Pergunto: como vocês acham que uma pessoa desta consegue cozinhar, trabalhar, sair de casa?
Muitas vezes não consegue, ou o faz com muito esforço. Mas não dá para ser como antes, tenho a impressão de que sua vida fica como que paralisada naquele acontecimento. Aí que entra todo o problema social. A doença mental não é vista seriamente. Sabem o famoso "ah, frescura!"? É bem por aí. O que mais ouço são as estagiárias relatando sobre como tiram sarro dos pacientes e diminuem sua condição. Este mundo é todo voltado para o visual, os cegos que o digam. E se você não pode estender seu braço para mostrar uma ferida ou apresentar o resultado de uma ressonância que seja, é como se o seu estado não fosse validado. Mesmo com a dor, o desespero e o sentimento de incapacidade. Se a coisa já é ruim no senso comum, tentem visualizar como é quando um profissional da saúde demonstra os mesmos preconceitos. Ouvi algumas histórias sobre como médicos do INSS não estendem as licenças dos nossos pacientes porque, bem, eles não tem nada. Se aquelas pessoas tremendo da cabeça aos pés e tendo lembranças intrusivas a todo momento não tem nada, sinto medo do que seria ter alguma coisa. A história se repete: são liberados para voltar ao trabalho e não aguentam um mês que seja, ou aguentam com muita coragem. Admiro muito os pacientes por isto. É demais para um ser humano.
Um dos comentários que mais me incomoda quando alguém diz que está passando por uma situação assim é "Ah, não fica pensando nisso!". A evitação que citei no exemplo é comportamental, mas os pacientes também evitam pensamentos. Segundo as pesquisas, quanto mais tenta-se suprimir os pensamentos, com mais força eles ficam. Ou seja, além de o sujeito aconselhar a pessoa a fazer algo que ela não consegue como se fosse a coisa mais simples do mundo, a estratégia ainda piora o estado dela. E muitas vezes nem é por maldade, mas desinformação proporcionada por um meio social que pouco se importa com a promoção de saúde mental.
Só que agora que tenho informação, não posso mais ficar com ela só para mim. Querendo ou não, vejo como meu dever ético compartilhar estas informações que considero tão importantes com o máximo de pessoas que puder. Se quem estiver lendo este texto acreditar em algo do que expliquei, mesmo que tenha sido de modo tão simplório, peço para que preste mais atenção ao seu semelhante e não diminua qualquer transtorno mental que ele tenha (acredite você ou não em transtornos mentais). Falei mais do TEPT porque é aquilo com que estou tendo maior contato agora, mas isto se estende até aquele "maluquinho" com quem as crianças ficam implicando na rua de casa. Ter respeito já ajuda.
*Se algum psicólogo ou psiquiatra um dia ler isto e algo estiver errado, perdoem a pobre mocinha confusa do 7º período.
Seu único texto com que me identifico, hihi.
ResponderExcluirOh, como assim? Não se identifica com o texto do "AIEEEEEEEEEEE, PASSEI PRA PSICOLOGIA NA UFRJ"? :O
ResponderExcluirNão sei se li esse. Será que li e me esqueci? :O
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