sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Assumir novos lugares

Não foram poucas as vezes nas quais senti que eu já era tudo o que poderia ser, que não valia a pena tentar fazer diferente,  mesmo que houvessem promissoras novas possibilidades. Na internet há muitos lugares onde temos de nos descrever, e eu costumava me prender às descrições que fazia. No meu Last.FM, por exemplo: minha descrição dizia que eu era beatlemaníaca. Quando as pessoas vinham ao meu perfil atraídas por aquele fato, eu não conseguia me desprender dele. Não falava que era fã de músicas indianas, que gostava de músicas das Chiquititas, que achava as bandas inglesas dos anos 60 todas iguais e mesmo assim amava todas. Naquele lugar, a posição que assumi era a de uma beatlemaníaca. Não valia a pena gastar energias falando de outras coisas.
            
Esta minha atitude foi mudando a nível de descrições em internet e até poucas horas atrás, eu pensava que também era a nível de outras áreas da minha vida. Porém deve fazer 40 minutos que não penso mais assim. Acabei de assistir a um filme clássico chamado O Mundo de Apu (Apur Sansar), de Satyajit Ray. É o terceiro filme da mundialmente aclamada Trilogia de Apu. Agora terei de contar partes do filme, certo? Bem, neste último filme vemos Apu já adulto. Ele é uma pessoa muito vibrante e encantadora, e não desiste de seu sonho de ser escritor, mesmo enfrentando sua pobreza. É muito interessante ver que ele não está iludido: ele sabe das dificuldades, porém encarou a realidade e decidiu o que quer tentar fazer. Há belo um momento em que ele está contando de um personagem sobre o qual está escrevendo, que não é ninguém além dele mesmo. Ele diz:

Suas dificuldades não terminavam. Continuava na pobreza. Mas isso não o desanimou. Um dia se deu conta que deveria enfrentar a realidade. Ele não quer fugir da vida, não quer escapar. Ele está realizado, quer viver!”

Ele sabe que é difícil, sabe que vai sofrer neste caminho. Mas à essas dificuldades, assim como aos momentos mais alegres, ele chama de vida. E nestes momentos ele também está realizado. De todo modo, o Apu me parece ter medo de se desapegar de quem ele pensava ser. No início do filme ele se via como um escritor livre, que poderia tentar o que quisesse por não estar compromissado com ninguém. Acontece uma situação inesperada na qual ele tem de escolher se casava ou não com uma moça. Mesmo assustado, ele se casa. Então repentinamente se vê na vida de homem casado, lugar no qual ele não se imaginava. E foi nesta vida em que aconteceu o que ele não esperava, que era conseguir escrever mais. Ele se apaixonou pela esposa, e esta situação abriu portas para que o “Apu marido” se manifestasse. Ele gostou desta posição. Acontece que um dia, sua esposa morre ao dar à luz ao primeiro filho deles. Apu ficou tão transtornado que fiquei comovida: não comia, não dormia, não saía de casa, e, o pior: não conseguia se ver no papel de “Apu pai”. O modo como ele deixou o filho de lado foi muito triste, mas no fim ele acaba indo conhecer o menino (já com 5 anos) para deixá-lo com outras pessoas, mas percebe que a possibilidade de ser pai também existe para ele. A pessoa que era apenas o “Apu escritor” conseguiu assumir mais duas grandes posições na vida, e umas não anulavam as outras.
            
Não consigo mais me ver em outras posições, estou implorando por estabilidade – mesmo não gostando da posição em que estou. No momento tudo na minha vida gira em torno de ser universitária, e não quero me esforçar na busca de outras posições. Não consigo me ver na posição de namorada/esposa de alguém, na posição de alguém que trabalha e tem sucesso... e isto está me incomodando. Eu não sei como sair disto, como não ver a possibilidade nova e sair correndo. Não digo que queira exatamente fazer essas duas coisas, mas o modo limitado como venho me percebendo não me agrada por eu saber que posso ser mais. Na verdade, o que sou agora é resultado de eu ter encarado uma nova possibilidade, assim como ocorreu com o Apu. Eu gosto muito de tudo o  que aconteceu comigo, então sinto medo de estar perdendo algo novo que poderia ser sensacional. Como o Apu, quero conseguir me encontrar em novos lugares. E eu realmente pensava que estava conseguindo fazer isto.

E sempre há muito mais para pensar do que eu imaginava.

Um comentário:

Obrigada por estar aqui,pessoa.